1º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL DA UNIDADE JURISDICIONAL DA COMARCA
DE POUSO ALEGRE/MG - 1ª INSTÂNCIA.
Av. Dr. Carlos Blanco, nº 245 – 2º andar, bairro santa Rita
Cep: 37550-000 – Tel: (35) 3429-6618/6619
Processo n. º: 004.356-2/17
Autora: Irlane Batista Santos
Réus: Banco Bradesco S.A
Natureza: Ordinária (Cível – Obrigação de fazer c/c Indébito, Indenização por
dano moral e pedido de Tutela)
SENTENÇA
Visto em correição.
Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38 da
lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, passo a relatar os fatos mais importantes:
Irlane Batista Santos, na busca da prestação
jurisdicional, ajuizou a demanda em face de Banco Bradesco S.A ao argumento
de que possui um empréstimo junto ao réu, o qual é pago através de depósito em
conta corrente. Diz que, embora não tenha requerido, foi vinculado nesta conta
um cartão Elo Plus, xxxx.2515. Aduz que estão sendo descontadas anuidade do
referido cartão em sua conta, e que, em virtude disto, precisa complementar os
depósitos feitos para pagamento do empréstimo. Discorre sobre o dano moral
sofrido. Requer tutela para que sejam suspensas as cobranças referentes ao cartão
acima. Ao final pleiteia a condenação do réu na obrigação de fazer consistente
em apresentar toda documentação referente ao cartão, objeto dos autos, bem
como na restituição de todo valor já pago, em dobro, e que o requerido seja
condenado no pagamento de indenização por dano moral de R$ 8.000,00.
Tutela deferida às fl. 12.
Em audiência de conciliação (27/7/2017 – fl. 27),
não houve possibilidade de acordo.
O réu, por seu turno, apresentou contestação
arguindo preliminarmente ausência de condição de ação e falta de interesse de
agir, uma vez que não houve resistência por sua parte para solucionar o
problema. No mérito, diz que a autora ao solicitar a abertura da conta corrente
que mantem junto ao réu para pagamento de empréstimo, autorizou a emissão do
cartão Elo. Diz que a requerente tinha ciência de que mesmo não desbloqueando
o cartão, deveria arcar com sua anuidade, conforme consta no contrato. Aduz que
não praticou nenhum ilícito. Impugna o pedido de indenização, uma vez não
comprovado. Discorre sobre os princípios da razoabilidade e proporcionalidade
do quantum indenizatório. Requer o acolhimento da preliminar. Ao final pleiteia
a improcedência.
A autora impugnou.
É o breve relato. Fundamento e decido.
Tratam os autos de ação Cível (Obrigação de
fazer c/c Indébito, Indenização por dano moral e pedido de Tutela).
De início, cumpre esclarecer que a relação
jurídica em questão se classifica como sendo de consumo, estando sob a égide
das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, e por se tratar de
relação de consumo, é aplicável o art. 6º, VIII, do CDC, com a inversão do ônus
da prova, motivada pela hipossuficiência da parte autora, materializada na
fragilidade desta diante de grande financeira, que detém poderio técnicofinanceiro,
sendo nítida, pois, a posição de desigualdade em que se encontra a
consumidora.
A autora comprovou os lançamentos das
cobranças de anuidade em sua conta (fls. 7/11 e 17/18).
D`outro norte, o requerido, afirma em sua peça
contestatória que a autora autorizou a emissão do cartão e que tais cobranças são
devidas, mesmo não tendo esta desbloqueado o cartão.
Ocorre que, compulsando-se os autos, verifico
que em momento algum o requerido juntou qualquer prova da autorização da
emissão do cartão pela parte autora.
Com efeito, ao requerido caberia o ônus da prova,
em trazer aos autos os contratos firmados entre as partes, que ensejaram as
cobranças. Entretanto, não se desincumbiu do seu ônus, não trouxe aos autos
nenhuma prova de que os fatos ocorreram de outra forma, não logrando êxito em
demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito
da autora, cabendo aqui a inversão do ônus da prova em desfavor do requerido,
na forma do art. 6.º, inciso VIII, da Lei 8078/90, que por ser norma especial deve
prevalecer sobre a regra geral do art. 373, inciso I, do CPC.
Dessa forma, tenho que devida é a restituição dos
valores descontados na conta da requerente até o cancelamento do cartão, que
segundo o requerido se deu em 19/5/2017 (fl. 22), de forma simples, uma vez que
não comprovado a hipótese do art. 42, parágrafo único do CDC, e nem mesmo
que houve má-fé da parte ré.
Reza o art. 42, parágrafo único:
Art. 42 - “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será
exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem
direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou
em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo
hipótese de engano justificável.”
Saliento ainda que a alegação do réu, de que
mesmo o cartão não tendo sido desbloqueado cabível é a cobrança de anuidade,
não deve prosperar.
O fato por si só de envio de cartão de crédito, sem
solicitação do consumidor, já gera dano moral.
O nosso direito consumerista, veda o envio, sem
prévia solicitação de produtos, isentado o consumidor de pagamento de qualquer
débito em relação aos produtos entregues, não solicitados.
Assim dispõe o art. 39, III e parágrafo único do
CDC:
Art. 39 - “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas:
I - …..................................................................................................
II - …................................................................................................
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia,
qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Parágrafo único - Os serviços prestados e os produtos remetidos ou
entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparamse
às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.”
Esse é entendimento do STJ:
Súmula 532 - “Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão
de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor,
configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa
administrativa”.
Assim é o entendimento dos Tribunais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS E MATERIAIS. ENVIO DE CARTÃO DE CRÉDITO
NÃO SOLICITADO. PRÁTICA ABUSIVA. DANOS MORAIS.
CONFIGURAÇÃO. COBRANÇA DE ANUIDADE. SÚMULA 532/STJ.
PRIVACIDADE E INTIMIDADE. VIOLAÇÃO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. FIXAÇÃO MODERADA.
- Conforme disposição da Súmula n. 532/STJ, "constitui prática
comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa
solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e
sujeito à aplicação de multa administrativa".
- O envio de cartão de crédito não solicitado constitui violação ao
princípio da boa-fé objetiva e à privacidade e intimidade do cliente,
que desarmoniza a relação de consumo implicando a inobservância da
proteção do consumidor. Na fixação do quantum indenizatório devem
ser observados os critérios da extensão do dano, da condição
econômica dos envolvidos, da natureza da ofensa, do grau de
culpabilidade do ofensor, da necessidade de punição como medida
profilática, bem como do princípio da proporcionalidade e
razoabilidade, sem que isso configure enriquecimento sem causa do
ofendido. TJMG – Processo Apelação Cível 1.0145.13.069798-3/001
0697983-12.2013.8.13.0145 (1) - Relator Des. Pedro Bernardes - Órgão
Julgador / Câmara: 9ª CÂMARA CÍVEL - Data de Julgamento
17/11/2015 - Data da publicação da súmula 11/12/2015.
Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS
MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ENVIO DE CARTÃO DE
CRÉDITO SEM SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR. COBRANÇAS
INDEVIDAS. PRÁTICA ABUSIVA. DANO MORAL.
CONFIGURAÇÃO. SÚMULA 532 DO STJ. Consoante entendimento
recentemente sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, "constitui
prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e
expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito
indenizável" (Súmula 532). Caracterizado o agir ilícito da demandada,
violando o disposto no art. 39, III, do Código de Defesa do
Consumidor, deve ser reconhecido o dano moral, o qual se presume, na
hipótese, dispensando comprovação do prejuízo concreto. Hipótese em
que a parte autora recebeu cartão em sua residência, sem que tenha
solicitado, além de ter recebido faturas para pagamento. Sentença
mantida. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. Em atenção
aos parâmetros estabelecidos pela doutrina e jurisprudência pátrias
para a fixação do montante indenizatório, atento às particularidades
do caso concreto, o quantum de R$ 3.000,00 (três mil reais), acrescido
de correção monetária e juros moratórios legais, se mostra razoável e
proporcional. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. Em se tratando de
responsabilidade civil extracontratual, os juros de mora são devidos a
contar do evento danoso, nos termos da súmula 54 do c. STJ. Sentença
mantida, no ponto. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DESCABIMENTO.
Segundo a exegese do art. 42, parágrafo único, do CDC, inviável a
condenação da fornecedora à repetição em dobro de valores que,
embora exigidos indevidamente, não foram adimplidos pelo
consumidor, inexistindo, portanto, qualquer pagamento em excesso a
ser ressarcido. Precedentes desta Corte. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. No arbitramento da verba honorária,
deve o juiz considerar o local de prestação do serviço, a natureza da
causa, o trabalho realizado pelo causídico e o tempo de trâmite da
ação, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º do CPC. Verba honorária
arbitrada na sentença que merece ser majorada, diante das
peculiaridades do caso. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA.
APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação
Cível Nº 70067039370, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 26/11/2015).
A requerente teve que ajuizar ação para resolver o
seu problema, o que constitui afronta ao direito do consumidor, que causa
dissabor, frustração e um sentimento de falta de consideração, com a ausência de
providência da empresa que deveria dar solução ao problema apresentado,
situação que excede a normalidade, como no caso presente, em que extrapolou o
mero aborrecimento ou simples transtorno.
O artigo 186 do Código Civil dispõe que:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Se encontram reunidos os pressupostos da
obrigação de indenizar, que são no dizer de Antônio Lindbergh C. Montenegro:
“a- o dano, também denominado prejuízo; b- o ato ilícito ou o risco,
segundo a lei exija ou não a culpa do agente; c- um nexo de
causalidade entre tais elementos. Comprovada a existência desses
requisitos em um dado caso, surge um vínculo de direito por força do
qual o prejudicado assume a posição de credor e o ofensor a de
devedor, em outras palavras, a responsabilidade civil" (aut. menc.,
"Ressarcimento de Dano", Âmbito Cultural Edições, 1992, n. º 2, pág.
13).
Portanto, restou comprovado o alegado dano
moral. Os princípios basilares da moral vêm traduzidos no inciso X do artigo 5º
da Constituição Federal, que dispõe:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material e moral decorrente de sua violação.”
MARIA HELENA DINIZ, por sua vez,
preleciona:
“Para que haja dano indenizável, será imprescindível a ocorrência dos
seguintes requisitos: a) diminuição ou destruição de um bem jurídico
patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa, pois a noção de dano
pressupõe a do lesado; b) efetividade ou certeza do dano, porque a
lesão não poderá ser hipotética ou conjectural; c) relação entre a falta
e o prejuízo causado, d) subsistência do dano no momento da
reclamação do lesado; e) legitimidade, uma vez que a reparação só
pode ser pleiteada pelo titular do direito atingido; f) ausência de
causas excludentes de responsabilidade, pois pode ocorrer dano de que
não resulte dever ressarcitório, como causado por caso fortuito, força
maior ou culpa exclusiva da vítima etc.”
Estabelecida a obrigação de indenizar, passo à
fixação do quantum indenizatório. Para tanto, devem-se levar em conta as
condições econômicas das partes, as circunstâncias em que ocorreu o fato, o grau
de culpa do ofensor, a intensidade do sofrimento, devendo-se, ainda, considerar o
caráter repressivo e pedagógico da reparação, além de se propiciar a vítima do
dano uma satisfação, não podendo a presente indenização jamais ser tida como
fonte de enriquecimento, mas não podendo ser inexpressiva a ponto de não
compensar a dor sofrida pela requerente.
Assim, cumpre-me apenas quantificar o valor da
indenização moral a autora, consoante seu direito básico de efetiva prevenção e
reparação por tais danos, insculpido nos art. 5º, X, da Constituição da República,
pautada no nexo de causalidade, no abalo moral e sofrimento, diante de situação
delicada e desagradável em que se viu envolvida, mas guardando a exigida
razoabilidade, balizada pela gravidade objetiva do fato, arbitro a indenização em
favor da autora em R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Ante o exposto:
JULGO PROCEDENTE o pedido movido por
IRLANE BATISTA SANTOS em face de BANCO BRADESCO S.A, para:
a) – Condená-lo na obrigação de fazer consistente
em apresentar extratos de todos os descontos realizados na conta da autora,
referente ao cartão Elo final 2515, desde sua emissão até seu cancelamento
(19/5/2017 – fl. 22), no prazo de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado;
b) -Condená-lo na restituição simples dos valores
acima apurados, acrescidos de correção monetária pela Tabela da CGJ/MG, a
contar da data do ajuizamento da ação (27/4/2017) e juros a contar da citação
(11/5/2017 – fl. 15v), e;
c) - Condená-lo no pagamento de indenização por
dano moral de R$ 8.000,00 (oito mil reais), em beneficio da autora, acrescido de
correção pela Tabela acima, a contar desta data, nos termos da Súmula 362 STJ, e
incidência de juros a contar da citação (11/5/2017 – fl. 15v).
Transformo em definitiva a tutela de fl. 12.
Publique-se e intime-se as partes, ficando a parte
ré ciente de que terá o prazo de 15 (quinze) dias, após o trânsito em julgado, para
efetuar o pagamento do valor da condenação, sob pena de acréscimo ao débito da
multa de 10%, nos termos do art. 52, III, da Lei 9.099/95 c/c art. 523 do CPC.
Decorrido o prazo acima, sem o pagamento,
intime-se a parte autora para requerer o que for de direito, no prazo de 3 (três)
dias, sob pena de arquivamento dos autos.
Sem custas processuais e honorários advocatícios,
nos termos do art. 54 e 55 da Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Pouso Alegre/MG, 31 de janeiro de 2018.
ADRIANE APARECIDA DE BESSA
Juíza de Direito Titular
(1º - JESP)