Juízo da 4ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG.

Proc. nº: 0024 18 19 137-0

Autor: Órgão de Execução do Ministério Público de Minas Gerais

Réu: Wanderson Araújo Ferreira

Espécie: Art. 217-A, §1º, art. 129 e art. 148, §1º,V, todos do CPB.

 

 

S E N T E N Ç A

 

 

Vistos, etc.

 

 

O órgão de Execução do Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia crime contra:

 

WANDERSON ARAÚJO FERREIRA, brasileiro, natural de Belo Horizonte/MG, nascido em 09/12/1974, filho de Maria Zita Teixeira de Araújo e Geraldo Ferreira, residente na Rua dos Lagos, nº 195, Bairro Serrano, em Belo Horizonte/MG, como incurso nas penas do art. 217-A, §1º, art. 129 e art. 148, §1º,V, todos do CPB.

 

Narra a denúncia que, nos dias 10 e 12 de outubro de 2018, na Rua dos Lagos, nº 195, Bairro Serrano, nesta capital, o denunciado constrangeu M.C.O.R., mediante violência e grave ameaça e após ter reduzido a capacidade de resistência da vítima, a ter conjunções carnais e praticar atos libidinosos com ele.

 

Consta nos autos, ainda, que o denunciado privou a vítima de sua liberdade, mediante cárcere privado, além de lhe agredir fisicamente, causando-lhe lesões corporais leves e graves.

 

Denúncia às f. 01d/03d.

 

O acusado foi preso em flagrante delito, conforme APFD às f. 02/07.

 

Boletins de Ocorrência às f. 18/20 e 34/37.

 

Exame Corporal de f. 38.

 

Exame Indireto referente ao protocolo de humanização do atendimento à vítima de violência sexual de f. 52/54.

 

Extração de dados de celular, especificados pela autoridade requisitante de f. 113/115.

 

Certidão de Antecedentes Criminais à f. 58.

 

Recebimento da Denúncia à f. 65, em 05 de dezembro de 2018.

 

Resposta à Acusação à f. 68.

 

Durante a instrução, termos de f. 82/87, foram ouvidas a vítima e 02 (duas) testemunhas arroladas na denúncia e na resposta à acusação. Em seguida, foi o réu interrogado às f. 87.

Em sede de alegações finais de f. 117/119, o i. Representante do Ministério Público requereu a condenação do réu nos exatos termos da denúncia.

 

A Defesa, por sua vez, em sede de alegações finais de f. 120/123, requereu a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, II ou VII do CPP.

 

Eis o Relatório. Passo a decidir.

 

Não há se falar, in casu, em prescrição da pretensão punitiva e tampouco existem preliminares a serem analisadas.

 

Trata-se de ação penal pública incondicionada movida pelo órgão de execução do Ministério Público contra o acusado, imputando-lhe a prática das condutas tipificadas nos art. 217-A, §1º, art. 129 e art. 148, §1º,V, todos do CPB.

 

A autoria dos delitos praticados contra a vítima está cabalmente provada pelo APFD, Boletim de Ocorrência, laudos diversos colacionados aos autos, pela prova testemunhal e, em particular, pelas declarações da vítima, merecedoras de especial credibilidade em crimes como os em apreço.

 

O acusado, em juízo, negou a autoria dos fatos narrados na denúncia, informando, ainda, que a vítima o procurou e que já estava machucada quando o fez. Afirmou também já ter sido condenado por crime semelhante no passado. Senão vejamos:

 

não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; conheceu a vítima no Bairro Prado; a vítima devia uma boca de fumo e foi provavelmente o traficante quem bateu nela; a vítima pediu abrigo para o interrogando; não tem carro, tem uma bicicleta velha; a vítima quis ter relação sexual com o interrogando mesmo estando toda machucada; acredita que ela está acusando o interrogando porque tem medo do pessoal da boca de fumo; o telefone da vítima foi encontrado em sua casa, mas o patrão do interrogando pegou para quitar a dívida de aluguel; não roubou a vítima, trabalha em obra na construção civil e recebe R$40,00 por dia; não precisa de roubar; o seu telefone está apreendido na Martinho Drumond com as mensagens da vítima chamando o interrogando de ‘meu amor’; não tem nenhum problema psiquiátrico; não toma remédio e cometeu no passado um crime semelhante a esse em que confessou a prática do crime; já “pagou” uma pena de seis anos detido; foi condenado por um crime do art. 217 em Contagem e outro do art. 155 em Belo Horizonte.” (Interrogatório do acusado, f. 87). (Grifo nosso)

 

Todavia, a negativa e versão dos fatos apresentadas pelo acusado não lhe socorre, na medida em que isolada e sem amparo nas provas produzidas em juízo.

 

Acrescente-se ainda que, além de desamparada de elementos que a corroborem, a versão que quer fazer crer o réu é distinta até mesmo das próprias declarações por ele fornecidas quando em sede policial (f. 07).

 

Veja-se que nesta ocasião o denunciado ofereceu versão totalmente diferente dos fatos, de modo a evidenciar a fragilidade e incoerência de suas declarações, sendo certo que sua negativa não merece prosperar.

 

É que, em sede de I.P., o acusado disse que a vítima teria se machucado na sua casa, em razão das escadas existentes no local e que eles tinham combinado de passar o final de semana juntos.

 

Nesse sentido, veja-se que o acusado nem sequer conseguiu apresentar uma narrativa coerente e firme dos fatos, demonstrando, pois, cabalmente, a insustentabilidade de sua versão dos fatos.

 

Por outro lado, em sentido totalmente oposto, a vítima, ouvida me juízo, narrou minuciosamente como sucederam os fatos, de modo que suas declarações mostraram-se firmes e coesas. A Declarante ainda descreveu exatamente as graves ameaças das quais se valeu o acusado, a fim de mantê-la em cárcere. Disse ainda ter ficado o tempo todo em que teve a liberdade restringida sem comer nem beber. É o que se extrai:

 

pode reconhecer o acusado; tinha uns seis meses que estava trabalhando como garota de programa e colocou o seu nome na página do jornal Super, na parte designada como “relax”; recebeu telefonemas e mensagens do acusado querendo marcar um encontro com a depoente; o acusado falava que queria namorar com a depoente e por isso ela se esquivou dos contatos dele; bloqueou o telefone dele no seu celular e o acusado arrumou outro número de celular para poder ligar para a depoente; a depoente percebeu que era ele pelo jeito que ele falava no telefone, ou seja, dizia sempre a palavra “entendeu”; a depoente acabou aceitando a proposta do acusado porque ele lhe ofereceu R$2.000,00 / R$3.000,00 para passar uma noite com ele e metade do dia seguinte; o acusado mandou um táxi pegar a depoente na Rua Ituiutaba aonde ela tinha um quarto alugado para trabalhar; foi para a casa do depoente em uma quarta feira a noite e ao chegar lá percebeu que ele não tinha condição de arcar com a proposta que ele tinha feito; depois que a depoente tentou chamar um táxi no 99pop o acusado disse que ela tinha caído num assalto e arrancou o celular da mão da depoente; até esse momento não tinha ainda mantido relação sexual com o acusado; o acusado determinou que a depoente tirasse a roupa e a depoente se lembra de tirar o macacão e a lingerie Calvin Klein que tinha comprado para usar com o acusado porque ele disse que era um cliente de luxo e iria lhe pagar R$2.000,00/R$3.000,00; não sabe o que aconteceu, mas quando acordou na quinta feira estava com o olho roxo e com o pulso esquerdo machucado, suspeitou que o pulso tivesse fraturado; pediu para ir ao banheiro e foi ajudada pelo acusado para levantar da cama que era um pouco alta; visualizou o seu rosto roxo no espelho quando foi para o banheiro; perguntou para o acusado o que tinha acontecido e ele disse que a depoente tinha pulado da janela; a depoente informa que a janela da casa dele é muito alta e que se tivesse pulado dela teria machucado muito mais; passou a noite de quarta para quinta, o dia de quinta feira e a noite de quinta para sexta presa pelo acusado; o acusado lhe ameaçava e dizia que iria dar um choque na depoente com um fio desencapado que estava no chão, se a depoente levantasse; a depoente não conseguia se levantar da cama porque a cama era alta e teria que apoiar com os dois braços, inclusive com o braço machucado; na sexta feira a tarde receberam a visita de uma pessoa que o acusado chamou como sendo patrão; essa pessoa disse para o acusado que a depoente estava com o braço fraturado e o olho inchado e que tinha que ser levada para um hospital; a depoente ficou sem comer e beber água todo o tempo que ficou na casa dele; recorda-se de ter visto o acusado em cima de si; recorda que ele manteve relação sexual com a depoente, sem a depoente permitir; ao acordar e vê-lo em cima de si, perguntou o que estava acontecendo; o acusado disse que estava mantendo relação sexual e a depoente disse que não queria e que era para ele lhe respeitar; tentou tirar o acusado com a mão direita de cima de si, mas não conseguiu; o acusado comunicou à depoente que um táxi tinha chegado e que iriam para uma UPA; o acusado colocou a depoente sentada e lhe entregou a bolsa determinando que ela tirasse de dentro da bolsa a identidade; a depoente tirou a identidade e aproveitou para tirar os R$150,00 que estavam dentro da bolsa; quando entrou no táxi o taxista disse para o acusado que a depoente estava bastante machucada e que não adiantaria levá-la para a UPA, teria que levá-la para um hospital; o acusado disse que ia buscar alguma coisa em casa e a depoente acabou por conversar com o taxista que lhe indagou o que tinha acontecido; a depoente confirmou a versão que o acusado tinha dado para o taxista dizendo que tinha caído da escada; o taxista disse que não tinha jeito daquilo ter acontecido e ter machucado o rosto e o punho da depoente; a depoente acabou contanto tudo para o taxista; o taxista argumentou que quando tinha levado a depoente na quarta feira para a casa do acusado ela não estava machucada; o acusado voltou e perguntou para a depoente se ela havia pegado o dinheiro que estava dentro da bolsa e a depoente respondeu positivamente; o acusado determinou que a depoente lhe entregasse os R$150,00; foi levada para o Hospital Odilon Berhens e lá o acusado não pode acompanhar a depoente porque a depoente era maior de idade; teve a oportunidade de contar tudo o que tinha ocorrido para a moça da triagem e a referida moça chamou os policiais que lavraram o REDS e prenderam o acusado; o policial do Hospital solicitou que o acusado entrasse dentro do Hospital e lá dentro foi dada a voz de prisão para ele; foi levada inicialmente para a Delegacia do Prado e foi informada que o acusado chegou fazendo o maior escândalo; o acusado dizia que era bandido, que tinha matado e roubado; foi levada depois para o Hospital Odilon Berhens onde ficou internada por três dias e foi submetida a uma cirurgia no braço; foi submetida a um exame no IML; não conhecia o acusado antes do encontro que teve com ele; não se recorda de ter bebido nada que o acusado lhe oferecesse para ficar sonolenta; não se recorda de ter sido ameaçada com faca e nem de ter sido amarrada; tem uma lembrança de ver o acusado com uma faca de serra de cortar pão; o acusado estava gritando com a faca na mão mas não sabe para quem ele gritava; a escada que existe para subir para a casa do acusado é uma escada que existe do lado de fora da casa; foi informada por sua amiga Raiane que realizou uma ligação para ela e disse que estava em uma casa no centro; a depoente não se recorda de ter feito essa ligação; não se recorda de ter feito sexo oral com o acusado; recorda-se de ter mantido relação sexual com ele por uma só vez; cursa o segundo ano do ensino médio na Escola Estadual Alair de Lisboa. Dada a Palavra ao Defensor Público, às suas perguntas respondeu: não usa droga e nem toma bebida alcoólica; nunca fez tratamento mental e não toma remédio tarja preta.” (Declarações da vítima, f. 83/84). (Grifamos)

 

Indo adiante, não é outro o sentido que se extrai de suas declarações prestadas perante autoridade policial, ocasião esta que narrou o ocorrido de modo a corroborar tanto a denúncia, quanto suas declarações em sede policial. Veja-se, pois, que, em todas as vezes em que foi ouvida, a vítima mostrou-se firme e coesa, não existindo dúvidas, portanto, quanto à sua versão dos fatos.

 

Sendo assim, as declarações da vítima não constituem prova isolada da autoria e materialidade dos fatos narrados na denúncia, vez que corroboradas pela prova testemunhal produzida em juízo.

 

Corroborando as declarações prestadas pela vítima, está o depoimento da testemunha Viviane, sua mãe, a qual confirmou que a vítima de fato estava trabalhando como garota de programa. Senão vejamos:

 

acenou negativamente com a cabeça quando a sua filha prestava depoimento porque não concordou com o trecho do depoimento em que ela confirma estar fazendo programa há seis meses; ela pode ter começado a fazer programa depois que saiu de casa, sendo certo que contava quatro meses que ela tinha deixado a casa da depoente; em um dia de domingo repreendeu a sua filha por ela ter chegado depois das 23:00hs; acredita que se a filha estava morando em sua casa teria que obedecer às suas determinações; quando foi na segunda feira à noite não encontrou mais a vítima em sua casa e teve informação da avó que ela estava na casa do pai; a sua filha/vítima sempre dizia para a depoente que tinha sido assaltada e não deixava a depoente participar de nenhuma sessão com a psicóloga e nem no IML; a depoente começou a desconfiar que tinha algo errado e foi até a delegacia e pediu uma cópia do REDS; foi quando leu o REDS que ficou sabendo que a sua filha estava exercendo a profissão de garota de programa e que tinha sido molestada sexualmente; chamou a sua filha e pediu para ela afirmar novamente o que tinha ocorrido, a vítima disse que tinha sido assaltada e a depoente contra argumentou mostrando o REDS para ela; pediu para a vítima ler o REDS em voz alta e a vítima começou a chorar e contou o que havia ocorrido.” (Depoimento da testemunha Viviane gomes de Oliveira, f. 85). (Grifo nosso)

 

A seu turno, a testemunha Lenilson, em juízo, reconheceu o acusado e confirmou ter realizado atendimento a uma ocorrência no Hospital Odilon Berhens, sendo certo que também confirmava o histórico do boletim de ocorrência. Vejamos:

 

pode reconhecer o acusado; liga a fisionomia do acusado a uma ocorrência que atendeu no Hospital Odilon Berhens; a vítima acusava o réu de ter realizado agressões contra ela e de ter a violentado sexualmente; recorda-se que o acusado disse que a vítima era garota de programa e namorada dele; que ela estava machucada porque tinha caído; Facultada a leitura ao histórico do Boletim de Ocorrências de fls.18/20 disse que o confirmava.” (Depoimento da testemunha Lenilson José de Barros, a f. 86) (Grifo nosso)

 

Note-se, outrossim, que o acusado não trouxe aos autos provas de que a vítima tivesse motivos suficientes para falsamente imputar-lhe tais crimes e nem de que não teria sido ele o autor dos abusos e agressões.

 

Acrescente-se ainda, como já demonstrado alhures, que o acusado, de modo contrário ao que fez a vítima, apresentou versões completamente distintas dos fatos todas as vezes em que foi ouvido.

 

Ademais, além de ser merecedora de especial credibilidade a palavra da vítima em crimes como o ora em análise, há de ser levada em conta a coerência das suas declarações em todas as vezes em que foi ouvida, apontando o réu de forma uníssona e segura como autor dos crimes e narrando detalhadamente modus operandi por ele empregado nas práticas daqueles, razão pela qual não merece prosperar a tese da Defesa, segundo a qual não há nos autos prova suficiente para embasar um decreto condenatório.

 

Não se pode perder de vista que a vítima não titubeou em confirmar os fatos narrados na exordial acusatória em todas as oportunidades em que foi ouvida, sempre de maneira detalhada e coerente.

 

Tais circunstâncias, aliadas aos depoimentos das testemunhas como o depoimento da mãe da vítima, nos fornece certeza de que, realmente, o acusado praticou a conduta típica que lhe é atribuída na peça acusatória.

 

Nesse sentido, de se ver, ainda, que os laudos diversos carreados aos autos dão conta de corroborar as declarações da vítima em seu inteiro teor.

 

Assim, não há como se afastar, em sentido oposto ao que intentou a Defesa, a firme e coesa palavra da vítima, amplamente corroborada pela prova testemunhal produzida em juízo.

 

Por consequência, a negativa de autoria levada a efeito pelo acusado em seus interrogatórios, tanto em inquérito quanto em juízo, é isolada e inverossímil, não encontrando respaldo nos elementos de convicção contidos nos autos.

 

A jurisprudência, a seu turno, nesse sentido é uníssona:

 

APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO - PROVA - SUFICIÊNCIA - CORPO DE DELITO INDIRETO - VIABILIDADE - PALAVRA DA VÍTIMA - VALOR PROBANTE - CONFISSÃO - RETRATAÇÃO - CRIME HEDIONDO - REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA INTEGRALMENTE FECHADO. Na ausência de exame de corpo de delito, a materialidade da infração pode ser demonstrada por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos, notadamente os de natureza testemunhal ou documental, consoante a hipótese prevista pelo art. 167, do CPP, através do chamado corpo de delito indireto. Em crimes de natureza sexual, rotineiramente praticados às ocultas, a palavra da vítima assume fundamental importância na elucidação da autoria delitiva, mormente quando corroborada pelos demais elementos de prova produzidos. ""A confissão é retratável. O seu valor, no entanto, é relativo. O juiz tem plena liberdade de confrontá-la com os demais elementos dos autos, a fim de verificar se ela é ou não verossímil"". O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que o estupro e o atentado violento ao pudor, mesmo nas suas formas básicas, constituem crime hediondo, de modo que o cumprimento da respectiva pena deve se dar no regime integralmente fechado, sem direito à progressão. (TJMG – Apelação Criminal nº 1.0685.05.930305-5/001 – Segunda C.Crim.- Relª. Desª. Beatriz Pinheiro Caires – J. 16/06/2005). (Grifamos)

 

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PROVA - PALAVRA DA VÍTIMA - VALIDADE - INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS - DESNECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL ATESTANDO A OCORRÊNCIA DE ATO LIBIDINOSO - FIXAÇÃO DO REGIME SEMI-ABERTO - INVIABILIDADE POR TRATAR-SE CRIME HEDIONDO - DOSIMETRIA DA PENA CORRETA. Assente na jurisprudência que nos delitos contra os costumes, pela sua própria natureza, a palavra da vítima assume excepcional relevância, particularmente quando coerente e harmoniosa com os demais elementos dos autos. A versão da vítima para os fatos deve prevalecer sobre as negativas do acusado, salvo se provado de modo cabal e incontroverso que se equivocou ou mentiu. (...). (TJMG – Apelação Criminal nº 1.0400.99.000806-4/001 – Primeira C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Braga – J. 22/02/2005). (Grifamos)

 

APELAÇÃO - ESTUPRO - ROUBO - RECURSO QUE PRETENDE ABSOLVIÇÃO COM BASE NA AUSÊNCIA DE PROVAS - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA - REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - NÃO CABIMENTO. Em infrações de natureza sexual, assim como em crimes de repercussão patrimonial, a palavra da vítima, se coerente e em harmonia com as demais declarações constantes dos autos, é de fundamental importância na elucidação da autoria, bastando, por si só, para alicerçar o decreto condenatório. É imprópria a imposição de regime integralmente fechado, ante o sistema progressivo dos regimes de cumprimento de pena, constantes do Código Penal e da Lei de Execução Penal, recepcionados pela Constituição Federal. (TJMG – Apelação Criminal n° 1.0433.05.146947-9/001 – Terceira C.Crim. – Rel. Des. Paulo Cézar Dias – J. 05/09/2006). (Grifamos)

Assim, dúvidas não restam quanto à prática da conduta tipificada no art. 217-A, do CPB, pelo réu, nos termos narrados na denúncia.

 

Outrossim, destaca-se que a vítima, no momento dos fatos, estava desacordada, em razão dos golpes deferidos pelo acusado a fim de mantê-la inconsciente, de forma que não poderia oferecer resistência às ações do acusado, nos termos do art. 217-A, §1º, do CPB, de forma que a conduta perpetrada pelo acusado amolda-se perfeitamente ao delito de estupro de vulnerável.

 

Mister destacar que as contusões sofridas pela vítima estão devidamente demonstradas nos laudos colacionados ao processo, de maneira que não restam dúvidas de que a conduta do acusado se amolda perfeitamente à supracitada.

 

Assim, provados estão os elementos que autorizam a condenação do acusado pela prática de delito tido como HEDIONDO na legislação vigente, atento ao teor do art. 1º, VI, da Lei nº 8.072/90.

 

Por fim, o crime restou indiscutivelmente consumado. Ora, o acusado efetivamente praticou atos libidinosos com a vítima, tendo restado cabalmente demonstrado nos autos que o réu manteve relação com ela, por repetidas vezes, inclusive nos momentos em que a ofendida estava desacordada, ação suficiente para configurar o crime consumado, nos termos do art. 217-A, §1º, do CPB. O acusado, portanto, incorreu em todas as elementares exigidas para a configuração do crime, alcançando a sua consumação.

 

Noutro caminhar, também conclui-se que as provas colhidas nos autos não deixam quaisquer dúvidas acerca da autoria e materialidade da prática dos crimes de lesão corporal, de modo que não ha que se falar em absolvição, sendo a condenação do réu medida impositiva.

Nesse sentido, tem-se que o Exame de Corpo de Delito às f. 38 comprovam a materialidade do crime de lesão corporal perpetrado contra a vítima, posto que consta nos exames que houve ofensa grave a integridade corporal da vítima.

 

De se ver que as declarações da vítima não constituem prova isolada da materialidade e autoria na medida em que corroboradas pela prova testemunhal produzida e demais elementos de prova juntados aos autos, que cabalmente, evidenciam que o acusado praticou a conduta prevista no art. 129, caput, do CPB, afastando a pretensa absolvição requerida pela Defesa em suas derradeiras alegações.

 

Ainda, não se pode perder de vista que, todas as vezes em que foi ouvida, a vítima foi uníssona e coerente ao afirmarem que o réu teria a agredido.

 

Ademais, acrescente-se que o Laudo de f. 38 concluiu que houve ofensa à integridade física da vítima T.T.S..

 

Assim, as provas carreadas nos autos demonstram o dolo do réu, em causar a lesão à vítima ao desferir golpes com nela, de maneira que sua conduta enquadra-se no tipo previsto pelo art. 129, do CPB. Nesse sentido:

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE LESÃO CORPORAL GRAVE - INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE 30 DIAS - MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA - SUSRSIS ESPECIAL - ART. 78, §1º DO CÓDIGO PENAL - POSSIBILIDADE - DEFENSOR DATIVO - FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.- Caracterizado o dolo na conduta do réu, bem como comprovada a lesão corporal de natureza grave, nos termos do art. 129, §1º do Código Penal, a condenação é medida que se impõe.(TJMG-Apelação Criminal 1.0209.09.094678-8/001, Relator(a): Des.(a) Silas Vieira, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 08/10/2013, publicação da súmula em 18/10/2013)

 

Noutro giro, também restou comprovado, pelos elementos de convicção contidos nos autos que o denunciado, restringiu a liberdade da vítima mediante cárcere privado, a fim de praticar com ela atos libidinosos, incorrendo, assim, nas iras dos art. 148, §1º, V, do CPB.

 

Ora, o acusado trancou a vítima em sua casa durante 02 (dois) dias, amarrando-a à cama por alguns momentos, impedindo que ela fosse embora, sendo certo que valeu-se de violência para tanto, a fim de praticar com ela ato libidinoso sem a sua anuência.

 

Acrescente-se, ainda, que o tipo penal do art. 148, do CPB não exige que violência e da grave ameaça para sua configuração, bastando para tanto que a vítima tenha sua liberdade privada:

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE CÁRCERE PRIVADO PRATICADO NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR (ART.148 DO CP) - ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO FORMADO NOS AUTOS - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - IMPOSSIBILIDADE - CRIME COMETIDO COM GRAVE AMEAÇA À PESSOA - ÓBICE LEGAL (ART. 44, I, DO CP) - SURSIS DA PENA - CABIMENTO - PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. (...) 3) O tipo penal previsto no art.148 do Código Penal visa à proteção da liberdade individual, notadamente a de locomoção, incluindo-se o direito de escolher livremente o local onde se deseja ir ou permanecer. (...) (TJMG - Apelação Criminal 1.0363.14.003584-3/001, Relator(a): Des.(a) Kárin Emmerich , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 14/02/2017, publicação da súmula em 23/02/2017)

 

Outrossim, incide no presente caso a qualificadora presente no §1º, V, do art. 148, do CPB, vez que, conforme vastamente demonstrado nos autos, o acusado manteve a vítima em cárcere privado a fim de praticar com esta ato libidinoso.

 

Noutro caminhar, há que se reconhecer a reincidência do acusado, vez que, conforme consta da Certidão de Antecedentes Criminais de f. 18, do apenso de nº 18 008 894-0, pesa contra ele uma condenação transitada em julgado anotada nos autos de nº 0231 11 026 585-8.

 

Assim, sem mais delongas, devem prevalecer as teses invocadas nas alegações finais do Ministério Público, haja vista que o decreto condenatório, in casu, em cotejo com as provas trazidas para os autos, se impõe.

 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA para CONDENAR o réu WANDERSON ARAÚJO FERREIRA, qualificado ao início desta, como incurso nas sanções dos crimes previstos nos art. 217-A, §1º, art. 129 e art. 148, §1º, V, todos do CPB, ao qual passo a aplicar a respectiva pena:

 

1. QUANTO AO CRIME PREVISTO PELO ART. 217-A, §1º, DO CPB:

 

A conduta do réu é censurável, porque ele agiu dolosamente. Observa-se que, se, por um lado, a culpa não integra a culpabilidade, faz-se necessária uma consideração sobre ela, para se aferir sua intensidade e o grau de reprovabilidade da conduta do réu, cuja culpabilidade decorre do fato de que ele é imputável, tanto que foi processado e não se trouxe aos autos nenhum elemento de prova em sentido contrário; daí sua condenação; ele tinha a potencial consciência da ilicitude de sua conduta, pois trata-se de pessoa esclarecida sobre a convivência social, e a necessidade de se respeitar a liberdade sexual de outrem.

 

O acusado possui maus antecedentes, já que a certidão de f. 18, do apenso de nº 18 008 894-0, pesa contra ele uma condenação transitada em julgado anotada nos autos de nº 0231 11 026 585-8. Entretanto, deixo de sopesar tal condenação nesta fase para considerá-la como geradora da reincidência do acusado, de modo que não se incorrerá em bis in idem.

A conduta social não pode ser analisada minuciosamente, haja vista inexistirem nos autos dados suficientes, motivo pelo qual deve ser tida como boa.

 

Não há informações que permitam a análise da personalidade do acusado, razão pela qual não há como afirmá-la ruim.

 

Os motivos do crime são injustificáveis, pois a concupiscência do agente não o autoriza a constranger pessoa que não pode oferecer resistência, mediante violência, a praticar ato libidinoso.

 

As circunstâncias do crime são aquelas a ele inerentes.

 

O crime deixou consequências, atento às sequelas físicas e de ordem psicológicas ocasionadas à vítima, decorrentes da gravidade e barbárie inerentes ao próprio fato criminoso.

 

O comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta do réu.

 

Assim, consideradas as circunstâncias judiciais, que são, em seu conjunto, favoráveis, em atendimento ao disposto no art. 59 do Código Penal, atento ao que dispõe o verbete de nº 43 da Súmula Criminal do egrégio TJMG, imponho ao réu a pena base de 08 (oito) anos de reclusão.

 

Presente a agravante prevista no art. 61, I, do CPB, em face da reincidência do acusado reconhecida alhures, aumento a pena então fixada em 03 (três) meses de reclusão.

 

Não existem no caso em tela atenuantes ou causas gerais e especiais de aumento ou diminuição de pena a serem cotejadas, razão pela qual fixo a pena em 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão.

 

2. QUANTO AO CRIME PREVISTO PELO ART. 129, CAPUT, DO CPB:

 

A culpabilidade é inerente ao delito que se cuida.

 

O acusado possui maus antecedentes, já que a certidão de f. 18, do apenso de nº 18 008 894-0, pesa contra ele uma condenação transitada em julgado anotada nos autos de nº 0231 11 026 585-8. Entretanto, deixo de sopesar tal condenação nesta fase para considerá-la como geradora da reincidência do acusado, de modo que não se incorrerá em bis in idem.

 

A conduta social, não pode ser analisada minuciosamente, motivo pelo qual deve ser tida como boa.

 

A sua personalidade, conforme manifestação das testemunhas, não pode ser considerada ruim.

 

O motivo é inerente ao próprio crime.

 

As circunstâncias que envolvem o crime são daquelas comuns, sem maiores repercussões.

 

O crime deixou consequências, já que a vítima sofreu lesões corporais.

 

O comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta do réu.

 

Ponderando as circunstâncias judiciais e verificando serem, em sua maioria, favoráveis ao acusado, atento ao que estabelece a Súmula nº 43 do egrégio TJMG, fixo a pena base em 05 (cinco) meses de detenção.

 

Presente a agravante prevista no art. 61, I, do CPB, em face da reincidência do acusado, reconhecida alhures, aumento a pena então aplicada em 03 (três) meses de detenção.

Não existem atenuantes, causas gerais ou especiais de aumento ou de diminuição de pena a serem cotejadas, razão pela qual FIXO a pena em 08 (oito) meses de detenção.

 

3. QUANTO AO CRIME PREVISTO PELO ART. 148, §1º, V, DO CPB:

 

A conduta do réu é censurável, porque ele agiu dolosamente. Observa-se que, se, por um lado, o dolo não integra a culpabilidade, faz-se necessária uma consideração sobre ele, para se aferir sua intensidade e o grau de reprovabilidade da conduta da ré, cuja culpabilidade decorre do fato de que ele é imputável, tanto que foi processado e não se trouxe aos autos nenhum elemento de prova em sentido contrário; daí sua condenação; ele tinha a potencial consciência da ilicitude de sua conduta, pois trata-se de pessoa esclarecida sobre a convivência social e a necessidade de se respeitar o patrimônio alheio.

 

O acusado possui maus antecedentes, já que a certidão de f. 18, do apenso de nº 18 008 894-0, pesa contra ele uma condenação transitada em julgado anotada nos autos de nº 0231 11 026 585-8. Entretanto, deixo de sopesar tal condenação nesta fase para considerá-la como geradora da reincidência do acusado, de modo que não se incorrerá em bis in idem.

 

A conduta social não pode ser analisada minuciosamente, haja vista inexistirem nos autos dados suficientes, motivo pelo qual deve ser tida como boa.

 

A sua personalidade, também, à míngua de dados suficientes, não pode ser analisada minuciosamente, e, em face disso, não pode ser considerada ruim.

 

Os motivos do crime são inerentes ao próprio crime.

 

As circunstâncias que envolvem o crime são daquelas comuns, sem maiores repercussões.

 

O crime deixou consequências, atento às sequelas de ordem psicológicas ocasionadas à vítima.

 

O comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta do réu.

 

Assim, consideradas as circunstâncias judiciais, em seu conjunto, favoráveis, em atendimento ao disposto no art. 59 do Código Penal e ao que estabelece a Súmula nº 43 do egrégio TJMG, imponho ao réu a pena base de 02 (DOIS) ANOS E 02 (DOIS) MESES DE RECLUSÃO, sendo que cada dia-multa equivale a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo ao tempo do fato atento às condições econômicas do acusado.

 

Presente a agravante prevista no art. 61, I, do CPB, em face da reincidência do acusado, reconhecida alhures, aumento a pena então aplicada em 03 (três) meses de reclusão.

 

Não existem, no presente caso, circunstâncias gerais e especiais de aumento ou diminuição de pena a serem cotejadas, motivo pelo qual FIXO a pena aplicada em 02 (DOIS) ANOS E 05 (CINCO) MESES DE RECLUSÃO, sendo que cada dia-multa equivale a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo ao tempo do fato atento às condições econômicas do acusado.

 

Aplicando, por fim, o disposto no art. 69 do CPB, vez que restou configurado o concurso material entre os crimes praticados no caso em tela, aplico cumulativamente as reprimendas acima fixadas, CONCRETIZANDO a pena em 10 (DEZ) ANOS E 08 (OITO) MESES DE RECLUSÃO E 08 (OITO) MESES DE DETENÇÃO, sendo que cada dia-multa equivale a 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo ao tempo do fato, atento às condições econômicas do acusado.

A pena de reclusão deverá ser cumprida, INICIALMENTE, no regime FECHADO, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

A pena de detenção do acusado deverá ser cumprida em regime SEMIABERTO, desde o início, nos termos do art. 33, §3º, c/c art. 59, ambos do CPB, e art. 387 do CPP, incluído pela Lei nº 12.736, de 2012, vez que o acusado está preso desde 12/10/2018 e é reincidente específico.

 

Não há que se falar em substituição da pena imposta ao acusado, em face do seu quantum, nos termos do dispõe o art. 44, do CPB, circunstância que também impede a concessão do sursis, atento ao disposto no art. 77, caput, do CPB.

Deixo, ainda, de fixar o valor mínimo para a reparação de danos, na forma do art. 387, IV, do CPP, por não verificar nos autos elementos para a aferição do seu quantum.

 

Intimem-se pessoalmente o MP e o réu WANDERSON ARAÚJO FERREIRA e a Defensoria Pública.

 

Intime-se a vítima, nos termos do art. 201, §2º, do CPP.

 

Com o trânsito em julgado, lance-se o nome do acusado WANDERSON ARAÚJO FERREIRA no rol dos culpados.

 

Ainda após o trânsito em julgado, oficie-se ao TRE-MG, para os fins previstos no artigo 15, III, da Constituição da República e comunique-se esta decisão à DD. Autoridade Policial.

 

Conforme o disposto no artigo 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/03, isento o acusado das custas processuais.

 

Publicar. Registrar. Intimar.

 

Belo Horizonte, 09 de julho de 2019.

 

 

 

 

Milton Lívio Lemos Salles

Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal

Comarca de Belo Horizonte/MG.